15 de maio de 2021

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VISTA ALEGRE esse pequeno pedaço de subúrbio

 Se antes falamos do Imperador e o conceito de lugar, porque não falar hoje do meu ou um dos meus Lugares ? 0 pequeno bairro de Vista Alegre.

Rogério Batalha, compositor, poeta e morador de Vista Alegre cita: nosso bairro é uma pequena Bahia, Jorge Amado realmente teria muito a contar sobre este lugar. Esse bairro que se avizinha a Cordovil, Irajá, Brás de Pina e vila da Penha é quase um condado pouco lembrado ou citado pelos cronistas da cidade. Em geral quando citamos Vista Alegre, é comum receber comentários e referências que vão desde um bairro de São Gonçalo até algum lugar da Barra.

Mas vamos ao que interessa, a primeira coisa que o Vista Alegrense aprende é que fronteiras são delimitações arbitrárias que em nada tem relação com o cotidiano. Todos sabem que o bairro Araújo, os conjuntos brancos, o Sacil são parte de Vista Alegre apesar de ser Irajá, assim como todos sabem que até o Largo do Bicão tá liberado ser Vista Alegue mesmo que seja Brás de Pina.

Em Vista alegre é assim, temos nosso Cristo que chorava na pedreira, nunca ouvi falar deste tipo de milagre no Corcovado. Mas Jesus não para aí! Houve tempos em que Jesus vivia a sua via crucis nas ruas de Vista Alegre, era julgado ali na São Rafael e sabia em romaria até a praça da Lona. O último Cristo que vimos crucificado era negro, perseguido pelo sinédrio e pelo racismo ressuscita para ensinar ao bairro a fé, o amor e o combate aos preconceitos. Antes da Lona, o lugar era só uma praça, no platô onde ela se fez, eu, ainda criança, aprendi a andar de bicicleta e depois no bar da frente comia um ovo colorido com meu pai e um picolé em formato de tubarão. E por falar em tubarão, tem um na São Félix que até ser carro conserta. Vista Alugue é um bairro bem servido de mecânicos, do tubarão ao Seu Emilson na Walter Seder, quer tem carro não fica parado.

Cresci num Vista Alegre engraçado, tinha seus ícones como a saudosa Coruja que vivia perambulando pelas ruas mandando todos nós tomarmos no C., tinha o seu Pintinho, tinha o profeta do shortinho e tinha o profeta do picolé. Nunca soube se o apelido de Coruja tinha relação direta com o beco da Coruja, uma rua temida por puro preconceito. A quem interessar, no beco fica o Coruja Bistrô, espaço cultural onde tem um fantástico acervo histórico do Bairro.

A água de Vista Alegre é peculiar e dizem que: quem mora em Vista Alegre e dela bebe não abandona. Vista Alegre tem vários tempos marcantes, do 401 ao atual pólo gastronômico, esse bairro sempre foi point da sociabilidade. Fora as imagens marcantes também, que ficam na cabeça, como a casa que tinha um Leão como animal de estimação ou a casa que tinha um carro de fórmula 1 estacionado.

Nosso bairro é deste tipo de lugar onde todos se conhecem, você vira a esquina e algum amigo do seu avô de cumprimenta, o dono da padaria é seu vizinho, os Jornaleiros são basicamente a mesma família. O BAZAR do NELSON, na resistência dos bazares de Bairro, o bar do mal encarado, o bar do cachorrão (point de Rock de domingo de uma geração inteira)ou o bar do Sid, famoso por sua sambiquira, em qualquer um desses o morador tradicional encontrará ao menos um parente frequentando.

O domingo é de lei, comer pastel na feira, subir para o campo e curtir um futebol dos veteranos do Papa C|Colombo, grandes boleiros num ótimo campo. Campo este que já recebeu do Papai Noel ao Pedrinho do Vasco (morador ilustre do bairro). E já que estamos Lembrando dos bons boleiros, porque não lembrarmos do querido Ronald do Fluminense, aquele onde o gol de Barriga do Carioca de 95 começou, e que além de ter alegrado todos os tricolores naquele ano, também alegra nosso carnaval com a bateria do quando ENCOSTA QUE ELE CRESCE.

Vista Alegre é assim, tem muita veio artística pulsante neste bairro, muitos causos a ser contados, muitas gerações de vida que se confraternizam e se confrontam. Quantos não aprenderam a tocar com o Bira? Quantos não se divertiram, dos bailes no Grêmio e no GRAG até os eventos da LONA e do CASARTI, das festas de rua ao pólo gastronômico, Vista Alegre segue dia a dia tentando fazer jus ao nome e ser no maio do Subúrbio um cantinho que ainda mantém a escala de vizinhança onde uma matriarca que mora no quarto andar de um dos prédios da água grande grita para alertar sua cria que é hora de subir porque o almoço está na mesa.

No fundo é impossível resumir este bairro, pois tem milhares de Vista Alegres diferentes no coração memória década um que faz parte disso tudo.

Que venham os muitos Vista Alegres! ! !


imagem extraída deste belíssimo vídeo; https://www.youtube.com/watch?v=lCKponV3A8M&t=53s 


13 de maio de 2021

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13 DE MAIO— DIA DE PRETO VELHO: Dos Subúrbios que os Subúrbios escondem.

13 de maio! Dia de Preto Velho. Adorei as Almas. 

Hoje o fio passará por este processo de imensa sabedoria que existe entre nós. É de se esperar que no país onde a história é contada pelos vencedores, tenhamos nos acostumado com o fim da escravidão sendo representado por um processo legal por parte da princesa com um fim todos felizes para sempre, dando um ar digno de contos e fábulas da Disney. 

Interessante porém, como o contraponto vem da sabedoria do povo, aquela que muitas das vezes é considerada como menor, por não ser uma sabedoria produzida nas égides da ciência iluminista ou dos clubes literários ou dos cafés onde poetas e compositores da burguesia se encontram. Foi na sabedoria do povo escravizado, no Candomblé, na Umbanda, nos terreiros e quintais que a homenagem se deu da melhor forma. Este dia onde a escravidão terminou mas o racismo permaneceu, celebramos a ancestralidade, os avós, avôs, pais, reinos, todos que foram desmantelados do direito básico a humanidade são lembrados hoje e nos dão as suas bênçãos. 

É importante esta construção e o reconhecimento do processo de sabedoria popular. Em meio a este conhecimento traçado pelas bordas e periferias o povo mantém viva uma rede de resistência a partir dos seus corpos que constroem o chão desse país desde os tempos coloniais. Ainda que, estejamos falando de uma produção pouco aceita como oficial.

O Brasil meio que odeia o conhecimento escrito na oralidade, vide nossa tara por cartório, onde pagamos até para uma pessoa dar fé de que nós somos nós mesmos. O Brasil parece odiar a oralidade e controlar quem tem direito a escrita e leitura, tudo bem, é um meio tático de controlar quem detém a legitimidade de contar a história. Mas é na oralidade que grande parte do nosso povo constituiu e disseminou sua cultura. 

Mas, voltemos ao chão da cidade. Quem passa em Inhoaíba e visita Paizinho Quincas, ali onde Cesário de Melo e Adolfo Lemos se cruzam, talvez não saiba que está diante de um dos primeiros monumentos de referência às religiões afro na cidade. A praça monumento está lá na escala onde podemos chegar perto, conviver, conversar e celebrar. Paizinho e Tia Maria abençoam o Rio que se encontra tão distante do olhar do Estado. Ao estar ali notamos que eles também nos lembram que muitos dos territórios ocupados pelo povo pobre desta cidade tem origem no mistério e no sagrado. Que a cidade tem veias e feridas marcadas por inúmeras lutas destes, que dia após dia resistem e incomodam pelo simples fato de serem quem são e de estarem ali. 

Quem são os pretos-velhos, se não aqueles homens e mulheres que foram sequestrados de sua terra, de seu direito a humanidade, de sua alma, para se tornarem utensílios de senhores brancos na produção econômica deste país Brasil? A partir destes homens e mulheres que toda população negra que para cá veio mantinha e mantém um elo mínimo que seja com sua origem, seus fundamentos, sua ancestralidade, seu lugar e seu sentido de existência.

O problema não foi o 13 de maio, mas o 14 de maio em diante, como já dizia o filósofo carioca Wallace Lopez, a data onde o Brasil mudou mas o povo negro seguiu sem ser convidado. Mas não ser convidado não significa que deixaram de escrever e fazer parte da história. Ao contrário! pois se há algo que não dá para as narrativas esconderem é a construção social, onde, por uma rede, um emaranhado de solidariedade, esses povos, conectados no material e espiritual, mantiveram sua estrutura de sobrevivência. 

Dia 13 de maio também comemoramos o aniversário do Méier, este bairro peculiar, tipicamente suburbano, que fica ali pertinho, praticamente no pé da Serra dos Pretos-Forros. Serra que separa esse Grande Méier de Grande Jacarepaguá. E nos deixa a pergunta: é possível falar de Méier sem falar da Serra dos pretos-forros? É possível falar de Madureira sem falar da Serrinha? É possível falar de Engenhos sem falar das forças que moviam os moinhos? 

A história dessa cidade não passa pelos baronatos, casarios, notórios moradores que saiam em colunas de jornais. A história desta cidade passa pelos braços e vozes de todos que deram o sangue por essa terra, e que encontravam recantos de resistência onde as forças da natureza e do tempo estavam alinhadas. 

O dia 13 de maio ajuda a falar de um Rio de Janeiro cuja ocupação espacial não pode ser desvinculada da cosmogonia do povo negro que ocupou seu solo, suas fazendas, seus engenhos e seus aquilombamentos. Este povo que hoje ocupa seus espaços mais diversos, como resultado dos anos e anos da resistência e da dor dos inúmeros pretos velhos que foram massacrados nessa Terra, mas deixaram seu legado na história passada de geração a geração para os seus. 

Anseio pelo dia em que a história desta cidade seja contada pela voz destes pretos-velhos sob a luz do luar. Ali veremos quantos olhares de Rios de Janeiro a gente silenciou nestes anos todos de tentativa secular de embranquecimento do nosso chão, da nossa cidade e da nossa história.



12 de maio de 2021

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O LUGAR DO IMPERADOR: Adriano e o Complexo

As recentes declarações do Jogador Adriano nos faz pensar sobre um dos principais conceitos da arquitetura e da vida: O lugar.

Quando o jogador de milhões, no auge da sua carreira retorna ao Brasil e, principalmente, ao seu bairro, sua favela ou seu complexo como queiram chamar, o jogador vira alvo de uma campanha alvoroçada e constante. Não era raro ver as mídias associarem o retorno do jogador a uma decadência moral do tipo, está cercado de bandidos, associou-se ao tráfico, etc. Discurso este que caia no senso comum, Adriano era visto como aquele que teve todas as oportunidades e jogou fora.

A real é: o que o sistema realmente não tolerou foi a quebra do modelo de sucesso que ele vende. O retorno de um jogador, um artista um ídolo ao seu lugar de origem se torna perigoso a medida em que o discurso oficial precisa convencer que o seu lugar é "errado". O que se espera de um jogador pobre que sai da favela ainda jovem e vai viver na Europa? Espera-se qualquer coisa, menos que ele retorne ao seu lugar pobre.

A escolha de Adriano é impensável para um sistema que alimenta diuturnamente que a favela é um território que não deveria existir, ou que é território onde todos são potenciais bandidos, onde todos são passíveis de seu chacinados. Importante entender: O que espanta a sociedade não é o alcoolismo puro e simples, mas o fato de o jogador beber no seu lugar. Para assinalamos mais um elemento, a degradação do sentido de lugar é importante para a manutenção da ausência de políticas públicas. Nós lutamos pelo que nos afeta. Aceitamos condições mais precárias pois criamos o hábito de que o nosso lugar não deveria existir ou ser melhor.

Este hábito construído em um cotidiano cheio de significação ajuda por exemplo a definir o valor da terra ou também a diferenciar o lugar do rico do lugar do pobre. O que se espera de um jovem pobre latino-americano ou africano que tenta a sorte no futebol e vence na vida? Se estabelecer em um lugar de rico ou classe média alta que seja. Da mesma forma, não se espera um processo de ruptura onde valor de uso se torne mais importante que o valor de troca.

Imagine como ficaria difícil para o estado dar tiro a esmo correndo o risco de matar um Adriano? O que incomoda no Adriano, também incomoda no baile da gaiola, ambos expõem que o mundo real é maior do que a propaganda e que o Complexo é um lugar de pertencimento como qualquer outro, e deveria ter o mesmo tratamento social, econômico, espacial que qualquer outro canto. Incomoda que a pessoa que alcançou fama e fortuna e com isso a liberdade de escolher onde quer ir e vir no mundo capitalista escolhe estar de volta no seu bairro. Ofende um sistema classista e racista quando estas coisas acontecem,

O que o jogador fez foi o básico do que faz a humanidade. Em momentos de depressão e falta de sentido pra si, busca sua base de apoio, seu espaço afetivo, seu território de pertencimento, isto é, busca o seu lugar. E neste momento, o Complexo se torna melhor que Milão, e isso não é problema nenhum. Falar do Lugar é falar disso.

Adriano vence na vida quando decide buscar sua essência (palavra dele) e o seu lugar que definitivamente não é Milão.

O mais interessante do conceito de lugar é isso, não precisamos buscar em literaturas, teorias científicas o seu entendimento, basta a gente olhar para o que nos afeta, pra estes espaços com o qual temos carinho e felicidade. Este é nosso lugar. 




10 de maio de 2021

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CIEPs o sonho de um Brasil possível

Em 08 de maio de 1985 era inaugurado na cidade o primeiro CIEP. Situado na Rua do Catete, um dos endereços políticos mais importantes do Brasil, o projeto arquitetônico-pedagógico, parceria de Brizola e Darcy, com traços de Niemeyer.

A arquitetura marcante de Niemeyer e o conceito de educação integral produzido por Darcy, que garantia a criança conhecimento, esporte, saúde e socialização, e garantia a comunidade um espaço de lazer e cultura, abriu a possibilidade real de fazermos um Brasil diferente. Como sonhava Brizola: “Dos CIEPs hão de sair aqueles homens e mulheres que irão fazer pelo povo brasileiro e pelo Brasil tudo aquilo que nós não conseguimos ou não tivemos coragem de fazer”.

Hoje vivemos o legado do desmonte. Dia a dia, quando estamos diante deste país onde escola se tornou repositório de crianças, e o projeto pedagógico que sobrou para o pobre é a violência cotidiana, penso quanto tudo poderia estar diferente após estes 35 anos de formação pelas bases. A saída pela educação é a melhor das saídas, porém ela exige um compromisso de Estado que perdure por no mínimo 14 anos, um ciclo inteiro de formação geracional. Se no Brasil de outrora, a educação de base ainda era pra poucos, hoje, apesar de universal, segue o mesmo padrão, haja vista o desmonte.

Desmonte este que é projeto, como percebemos na tragédia que foi imposta aos CIEPs tão logo o Brizola perdeu a eleição, e o governo seguinte desmantelou o legado. Pois no Brasil é assim, a política não é produzida para ser estruturante, ela acaba por ser arma e subterfúgio para apossamentos de grupos de afinidade dos vencedores. Por conta disso não é incomum vermos mudanças dos grupos econômicos, das empresas, dos grupos de poder cultural, conforme vemos a mudança de um governante x ou y. O que tem que ficar claro é isso, em que a mudança dos nomes de poder influencia na mudança estrutural do país?

Penso o tamanho da destruição que foi a perda do legado do Brizola. O Brizolão é uma das poucas arquiteturas icônicas que encontramos em diversos cantos do estado do Rio. Quando falamos de 1985, falamos de uma geração que estaria hoje entre seus 40 ou 50 anos para menos, sendo formadas com qualidade. Falamos aqui de um Brasil que tentou uma vez na vida, organizar-se a partir do conhecimento.

O Rio de Janeiro vive hoje a exaustão diante da violência e o deserto de não ver mais saída para si. A saída mais concreta para tal, passará pela capacidade de darmos, no mínimo, o binômio educação e saúde de forma universal e com qualidade. Com isso, garantimos as mudanças de metas, mudanças de objetivos e perspectivas, mudança de cultura do povo. Somos um país que produz João Cabral de Melo Neto mas não consegue ler João Cabral porque livros são caros e segundo o atual presidente devem ser sobretaxados para se tornarem ainda mais caros.

O projeto de educação que temos, onde escolas de elite como as tradicionais escolas confessionais do Rio, formarão as lideranças sociais e econômicas ano a ano, escolas para as classes médias darão a formação mediana e as escolas públicas seguirão como repositório de seres humanos, mantém a crise da cidade em que estamos. Os Brizolões incomodaram esse modelo acima, propuseram a universalização da educação dos pobres a partir do público, a partir do sentido de que educação envolve mais do que conteúdo curricular, envolve construção integral de cidadania. O Brizolão incomodou quem iria perder espaço no controle do conhecimento, incomodou quem iria perder dinheiro ao transformar educação em mercadoria e incomodou quem iria perder a capacidade de manipular politicamente o povo pobre.

Infelizmente amigos é isso, um Rio de Janeiro diferente seria possível e viveríamos hoje o resultado de ao menos 3 gerações de cidadãos amplamente formados nos Brizolões. Não dá pra saber ao certo como seria este Rio, esta inclusive era a grandeza da visão: deixar que a geração formada no Brizolão construísse estes rumos da história. Ainda que não dê pra saber, uma coisa é certa, seria melhor, bem melhor do que estarmos a beira do poço.



9 de maio de 2021

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Tragédia de um Rio que chuta a porta

 Alguns dias depois de escrever aqui a respeito do avanço desta nova estrutura material e cultural da violência organizada na cidade, uma tragédia nos aconteceu. 

Em uma operação de extrema violência que pode sim ser definida como chacina, 25 moradores do Rio de Janeiro morreram, outros ficaram feridos e muitos foram impedidos no seu direito de ir e vir. Fatos como balas no metrô, e vídeos de execução a queima roupa e com grau de violência só visto em crimes de guerra,  circulam pelas redes. 

A violência expõe uma das pautas cruciais desta cidade. Por um lado a milícia recorre a todas as forças para tomar territórios e avançar na conquista do poder paralelo da cidade, por outro o tráfico tenta manter estes espaços sob controle. Em um terceiro movimento, a polícia expõe sua violência como ferramenta principal de ação, direcionada a espetáculos voltados a prender e matar pobre.

A violência é base pedagógica da formação da maior parte do povo da nossa cidade. Naturalizamos a mesma. Quem mora em locais de violência, já está acostumado a diferenciar tiros de fogos.  Alguns somos capazes de detalhar o tipo de armamento, distância, e etc, apenas com o som do estampido. Esta é a vida de boa parte da população. Não é incomum que esse povo encontre nos concursos para polícia militar e civil uma saída de emprego e uma referência de presença do estado. Pois esta é a principal referência que o estado lhes dá. Em terras onde falta, água, asfalto, iluminação, saneamento, escola, posto de saúde, área de lazer, etc, eles estão presentes. Não adianta apelarmos para a legalidade em um país onde o direito é classista e pobres, com sorte veem seus problemas chegarem na primeira instância para seu apreciados, segunda instância e STF é uma quimera. 

A discussão sobre a violência não caminha, pois segue presa no senso comum por duas vertentes. Uma que envolve a solução pelo aumento da violência, solução essa que aprova chacinas, tiros na cabecinha e etc. Outra vertente, aponta as problemáticas estruturantes disso tudo, destaca os papéis do abuso de poder e da ruptura constitucional, entre outros, que mostra que solução real exige um trabalho de longo prazo. Ambas não conseguem responder por sua vez trazer uma solução real a curto e médio prazo.

Um dos grandes problemas é que estamos presos num ciclo trágico onde a população sente e deseja uma saída urgente. A violência exacerbada cola no povo que se vê vingado, e se torna um instrumento útil as forças de poder paralelo que disputam territórios onde o estado  falha.

Óbvio que ações como a chacina do Jacarezinho não resolverão o problema da violência no Estado do Rio, não desmobilização o crime organizado, não reduzirá assaltos ou tiro. Da mesma forma sabemos que não há saída simples para a situação em que nos encontramos. Se fosse prever o futuro, apesto que a sequencia dos atos será: ou o aumento da estrutura de defesa do comando de poder que controla o território, ou o ataque de outro poder que passaria a controlar o território. Em ambos os casos, o estado de vidência permaneceria como parte da realidade do território. O povo, seguirá exausto e descrente de tudo, comemorando fatos isolados como chacinas ou prisão de vereador miliciano assassino e etc, que são vistas como solução a curto prazo. 

Há um embate ético que atrapalha isso tudo. É preciso que parte de quem pensa uma saída concreta legal e legitimada por princípios de direito a vida perceba que o fascismo nesta escala se impõe porque é a escala onde boa parte do povo será cotidianamente violentada. As pessoas aliciadas para o tráfico ou milícia, as pessoas que buscam na violência seu ganha-pão (assaltando pedestre na rua), nunca serão vistas como oprimidas por aquelas pessoas que estão em condições sociais e econômicas parecidas e que por N motivos não entraram neste sistema.

Um processo de segurança pública precisaria de uma ação veemente a curto e médio  prazo de:

inibir roubos e furtos nos bairros,

sistema jurídico que resolva os problemas (falo de todas as cadeiras e não só do criminal),

desmontar o tráfico de armas a partir dos donos do poder e das fronteiras,

promover qualidade de educação e saúde ( que a médio e longo prazo dará os resultados mais significativas), 

Construir uma outra cultura onde 0 alcance de sucesso e prestígio (o famoso "Subiu na vida")  não fique preso no sistema militar/paramilitar,

produzir ações de integração social entre os mais diferentes nichos da sociedade.

Bem, há uma lista enorme ele tarefas a serem feitas, estudadas e implementadas. Nenhuma será fácil, ainda mais na atual conjuntura onde quem nos governa tem na sua base de apoio grupamentos paramilitares que dominam grande parte do território, além de dominar parte do sistema econômico (quem acompanha o mercado de extrativismo de areia sabe ndo que estamos falando).

Enxergar o efeito nocivo que a exaustão e o abandono do Estado trouxe aos mais pobres é fundamental para recuperar minimamente a crença destes de que algo bom pode ser construído neste país. A saída pela terceirização do Estado aos poderes paralelos destas milícias que crescem será a pior escolha. E por que pessoas boas parecem comemorar a morte? infelizmente o resultado de séculos de políticas de controle social pela violência nos educou assim.







4 de maio de 2021

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Crônicas de um Rio que bate a porta


O longo processo de constituição da cidade do Rio sempre foi embebido em uma disputa que tange o controle da cidade por poderes paralelos armados. O que vemos na atualidade é uma nova fase disso se organizando. Estamos a um passo de nos consolidar Como um milíciocidade.

Importante ressaltarmos que: o que chamamos de paralelos me parece um certo equívoco, pois há interfaces claras entre os poderes que assumem o controle de determinados territórios e os poderes legalmente constituídos para cuidar dos mesmos.

Já é de longa data, pelo menos lá pelos idos dos anos 90, que a cidade do Rio viu organizar em seu território, uma nova forma deste poder. Filhos culturais das chamadas polícias mineiras, as milícias começaram a ocupar espaços notoriamente esquecidos pelo poder público, e seguiram por ele atuando como agentes em resposta a esta ausência do Estado. Isso ganhou vulto a medida em que alguns fatores aconteciam. Entre eles, a mudança organizativa dos grupos de tráfico que começavam a esvaziar o sentido de pertencimento do lugar por parte dos seus grupamentos, o desmonte dos poderes do jogo do bicho e a redução da capacidade de vereadores bico d’água responderem sozinhos a todos os anseios dos bairros onde faziam base. Claro muitas outras linhas podem sair daqui, mas destacamos essas no momento.

Os parâmetros destacados forma uma boa tríade de cultura que se comunicava rotineiramente com o povo de diversos bairros suburbanos, sempre preteridos em políticas públicas de qualidade quando comparados a outros lados da cidade.

Para os poderes legalmente constituídos, realmente o início do sistema miliciano poderia ser visto com bons olhos, visto serem grupos oriundos de pessoas que trabalhavam em departamentos do próprio estado, como polícia, bombeiros, etc. Grupos estes que há muito são arraigados com as lógicas estruturantes de poder deste país. O resultado deste enlace foi um processo oficioso de terceirização do controle territorial por parte do Estado para estes grupamentos.

Outro entrelaçamento importante está no crescimento em especial dos movimentos neopetencostais, principalmente os assembleianos. Aqui cabe entender com clareza sobre que recorte estamos falando. A potencia de uso do movimento neopetencostal está na capacidade de pulverização e de autonomia que cada parte (um templo, uma igreja, uma roda de pregação) tem sobre si.

Diferente de igrejas mais tradicionais, onde há uma certa organização padrão, como acontece nos batistas, metodistas, etc, assim como igrejas com certa centralidade como a católica. O movimento assembleiano permite que cada igreja de forma independente e autônoma fale e pregue por si tendo como base o milagre dos pentecostes e dons espirituais. É importantíssimo ressaltar este elemento, pois é justamente por esta capacidade de horizontalismo e descentralização que o movimento permite que nasça dentro de si as mais diversas linhas de crenças, linhas ideológicas, linhas de conexão social, etc. Há um fenômeno por sua vez que não pode ser descartado, o poder das rádios e tvs em um processo de disseminação de uma determinada cultura. Qualquer pessoa que assistir programas das mais diferentes épocas do pastor Malafaia por exemplo, notará como sua pregação forma uma cultura e modos de agir.


Se um Silas mais Jovem condenara práticas da chamada teologia da prosperidade, um Silas dos anos 90 e 2000 a colocariam no centro do discurso. Porém uma coisa era comum, o efeito de blocos dos iguais. Vemos em algumas pregações a construção
 clara do hábito de se afastar das pessoas que pensam e vivem diferente. Frases de efeito sobre amigos possivelmente gentios que não te acrescentam nada, familiares, festas do mundo, entre outros. Silas alimenta Um movimento religioso que organiza o povo em torno de iguais que repudiam os diferentes.

A capilaridade que as igrejas construíram no vazio cultural e cívico que deveria seu ocupado também por teatros, praças, parques, cinemas. A cultura cotidiana de vidência e falta de perspectiva. A crise econômica e crise de representação e 0 excesso de incertezas nos ajudam a explicar parte do busca desesperada de um grupo de identidade. São estes algumas elementos que somados a evolução das práticas de controle territorial da cidade nos coloca hoje a beira de transformar parte significativa do município em território onde o estado se torna impotente.

Os jovens sem perspectiva, o cotidiano de poder das milícias e uma cultura cristã que inverte a ordem dos testamentos. Se a bíblia nos leva do Senhor dos Exércitos Ao Cristo da Graça, parte da liturgia cotidiana faz o Cristo da Graça ser o Senhor dos Exércitos contra o mal maior. Aqui temos uma corruptela que permite naturalizar o nascimento de movimentos armados que operam em nome do Senhor, com suas bandeiras de Israel empunhadas demarcando seus territórios de controle, expulsam todos aqueles que entendem que são ímpios ou inimigos. Um sistema que cresce articulando as forças milicianas, forças do tráfico internacional de drogas e armas e as forças religiosas. 



Vale Lembrar que este tipo de movimento não é exclusivo do grupo religioso em questão, ele é um padrão de sociedade vendido. shoppings center e condomínios fechados por exemplo são a venda desse desejo para o povo. As esquerdas também não escapam desta armadilha, quando promovem discursos como: lado certo da história ou do tipo sair do grupo de família por conta do parente conservador segue o mesmo padrão proposto por Malafaia incentivando seus fiéis a se afastar dos parentes que ouvem “música do mundo".

O mundo hiper individualista não nos responde, somos seres coletivos. 0 mundo condominial responde parte o anseio da coletividade, mas não resolve plenamente a sociabilidade ao nos colocar nos guetos invisíveis e imaginários. Os guetos nos confortam, estamos com nossos iguais, nos alivia da dor da incerteza, mas são imaginários.



A bandeira monarquista ou a comunista na estrada do Quitungo não diferencia as condições materiais onde por exemplo ambos os seus donos precisarão andar longas distâncias para pegar um onibus ou comprar um pão e a noite farão no escuro pois a iluminação do bairro parece do tempo de D.Pedro. Assim como a bandeira de Israel não dará a Jovem que empunha uma arma em nome de Deus, o poder de um Rei Salomão, nem mudará o fato de que os grandes financiadores seguirão vivos em suas mansões enquanto ele e os seus morrem ainda jovens. 

A saída não é fácil, exigirá um trabalho coletivo de reconhecimento de demandas e anseios, de romper com a segregação social que as narrativas em bloco criam, romper com o cercadinho condominial, entre muitas coisas. Boa parte do povo só quer viver suas vidas, sair e voltar pra casa em paz. Essa galera está só cansada da aporrinhação que todos trazemos no excesso de debates, militâncias e embates e de viver sob a ameaça constante dessas estruturas de poder que os cerca. 

Se por um lado, um Estado que queira resolver este problema precisará assumir com coragem uma briga com inúmeras forças que estão no interior deste estado, das corporações  batalhões até a casa de vidro. Pelo lado da sociedade civil, entendo que não haverá trabalho de retomada social capaz de ser resolvido sem passar pela escala familiar, comunitária para aí então chegarmos na municipal e estadual. Assim como considero impossível uma saída que não passe pela ruptura dos cercados sociais e pela volta do contato com o diferente. Sair dos discursos maniqueístas é fundamental, são base para retomar os sequestro social em que estamos enfiados. Qualquer coisa fora disso seguirá alimentando as lógicas de grupos e guetos que vivem da violência e do terror ao diferente.