13 de maio de 2021

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13 DE MAIO— DIA DE PRETO VELHO: Dos Subúrbios que os Subúrbios escondem.

13 de maio! Dia de Preto Velho. Adorei as Almas. 

Hoje o fio passará por este processo de imensa sabedoria que existe entre nós. É de se esperar que no país onde a história é contada pelos vencedores, tenhamos nos acostumado com o fim da escravidão sendo representado por um processo legal por parte da princesa com um fim todos felizes para sempre, dando um ar digno de contos e fábulas da Disney. 

Interessante porém, como o contraponto vem da sabedoria do povo, aquela que muitas das vezes é considerada como menor, por não ser uma sabedoria produzida nas égides da ciência iluminista ou dos clubes literários ou dos cafés onde poetas e compositores da burguesia se encontram. Foi na sabedoria do povo escravizado, no Candomblé, na Umbanda, nos terreiros e quintais que a homenagem se deu da melhor forma. Este dia onde a escravidão terminou mas o racismo permaneceu, celebramos a ancestralidade, os avós, avôs, pais, reinos, todos que foram desmantelados do direito básico a humanidade são lembrados hoje e nos dão as suas bênçãos. 

É importante esta construção e o reconhecimento do processo de sabedoria popular. Em meio a este conhecimento traçado pelas bordas e periferias o povo mantém viva uma rede de resistência a partir dos seus corpos que constroem o chão desse país desde os tempos coloniais. Ainda que, estejamos falando de uma produção pouco aceita como oficial.

O Brasil meio que odeia o conhecimento escrito na oralidade, vide nossa tara por cartório, onde pagamos até para uma pessoa dar fé de que nós somos nós mesmos. O Brasil parece odiar a oralidade e controlar quem tem direito a escrita e leitura, tudo bem, é um meio tático de controlar quem detém a legitimidade de contar a história. Mas é na oralidade que grande parte do nosso povo constituiu e disseminou sua cultura. 

Mas, voltemos ao chão da cidade. Quem passa em Inhoaíba e visita Paizinho Quincas, ali onde Cesário de Melo e Adolfo Lemos se cruzam, talvez não saiba que está diante de um dos primeiros monumentos de referência às religiões afro na cidade. A praça monumento está lá na escala onde podemos chegar perto, conviver, conversar e celebrar. Paizinho e Tia Maria abençoam o Rio que se encontra tão distante do olhar do Estado. Ao estar ali notamos que eles também nos lembram que muitos dos territórios ocupados pelo povo pobre desta cidade tem origem no mistério e no sagrado. Que a cidade tem veias e feridas marcadas por inúmeras lutas destes, que dia após dia resistem e incomodam pelo simples fato de serem quem são e de estarem ali. 

Quem são os pretos-velhos, se não aqueles homens e mulheres que foram sequestrados de sua terra, de seu direito a humanidade, de sua alma, para se tornarem utensílios de senhores brancos na produção econômica deste país Brasil? A partir destes homens e mulheres que toda população negra que para cá veio mantinha e mantém um elo mínimo que seja com sua origem, seus fundamentos, sua ancestralidade, seu lugar e seu sentido de existência.

O problema não foi o 13 de maio, mas o 14 de maio em diante, como já dizia o filósofo carioca Wallace Lopez, a data onde o Brasil mudou mas o povo negro seguiu sem ser convidado. Mas não ser convidado não significa que deixaram de escrever e fazer parte da história. Ao contrário! pois se há algo que não dá para as narrativas esconderem é a construção social, onde, por uma rede, um emaranhado de solidariedade, esses povos, conectados no material e espiritual, mantiveram sua estrutura de sobrevivência. 

Dia 13 de maio também comemoramos o aniversário do Méier, este bairro peculiar, tipicamente suburbano, que fica ali pertinho, praticamente no pé da Serra dos Pretos-Forros. Serra que separa esse Grande Méier de Grande Jacarepaguá. E nos deixa a pergunta: é possível falar de Méier sem falar da Serra dos pretos-forros? É possível falar de Madureira sem falar da Serrinha? É possível falar de Engenhos sem falar das forças que moviam os moinhos? 

A história dessa cidade não passa pelos baronatos, casarios, notórios moradores que saiam em colunas de jornais. A história desta cidade passa pelos braços e vozes de todos que deram o sangue por essa terra, e que encontravam recantos de resistência onde as forças da natureza e do tempo estavam alinhadas. 

O dia 13 de maio ajuda a falar de um Rio de Janeiro cuja ocupação espacial não pode ser desvinculada da cosmogonia do povo negro que ocupou seu solo, suas fazendas, seus engenhos e seus aquilombamentos. Este povo que hoje ocupa seus espaços mais diversos, como resultado dos anos e anos da resistência e da dor dos inúmeros pretos velhos que foram massacrados nessa Terra, mas deixaram seu legado na história passada de geração a geração para os seus. 

Anseio pelo dia em que a história desta cidade seja contada pela voz destes pretos-velhos sob a luz do luar. Ali veremos quantos olhares de Rios de Janeiro a gente silenciou nestes anos todos de tentativa secular de embranquecimento do nosso chão, da nossa cidade e da nossa história.