9 de maio de 2021

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Tragédia de um Rio que chuta a porta

 Alguns dias depois de escrever aqui a respeito do avanço desta nova estrutura material e cultural da violência organizada na cidade, uma tragédia nos aconteceu. 

Em uma operação de extrema violência que pode sim ser definida como chacina, 25 moradores do Rio de Janeiro morreram, outros ficaram feridos e muitos foram impedidos no seu direito de ir e vir. Fatos como balas no metrô, e vídeos de execução a queima roupa e com grau de violência só visto em crimes de guerra,  circulam pelas redes. 

A violência expõe uma das pautas cruciais desta cidade. Por um lado a milícia recorre a todas as forças para tomar territórios e avançar na conquista do poder paralelo da cidade, por outro o tráfico tenta manter estes espaços sob controle. Em um terceiro movimento, a polícia expõe sua violência como ferramenta principal de ação, direcionada a espetáculos voltados a prender e matar pobre.

A violência é base pedagógica da formação da maior parte do povo da nossa cidade. Naturalizamos a mesma. Quem mora em locais de violência, já está acostumado a diferenciar tiros de fogos.  Alguns somos capazes de detalhar o tipo de armamento, distância, e etc, apenas com o som do estampido. Esta é a vida de boa parte da população. Não é incomum que esse povo encontre nos concursos para polícia militar e civil uma saída de emprego e uma referência de presença do estado. Pois esta é a principal referência que o estado lhes dá. Em terras onde falta, água, asfalto, iluminação, saneamento, escola, posto de saúde, área de lazer, etc, eles estão presentes. Não adianta apelarmos para a legalidade em um país onde o direito é classista e pobres, com sorte veem seus problemas chegarem na primeira instância para seu apreciados, segunda instância e STF é uma quimera. 

A discussão sobre a violência não caminha, pois segue presa no senso comum por duas vertentes. Uma que envolve a solução pelo aumento da violência, solução essa que aprova chacinas, tiros na cabecinha e etc. Outra vertente, aponta as problemáticas estruturantes disso tudo, destaca os papéis do abuso de poder e da ruptura constitucional, entre outros, que mostra que solução real exige um trabalho de longo prazo. Ambas não conseguem responder por sua vez trazer uma solução real a curto e médio prazo.

Um dos grandes problemas é que estamos presos num ciclo trágico onde a população sente e deseja uma saída urgente. A violência exacerbada cola no povo que se vê vingado, e se torna um instrumento útil as forças de poder paralelo que disputam territórios onde o estado  falha.

Óbvio que ações como a chacina do Jacarezinho não resolverão o problema da violência no Estado do Rio, não desmobilização o crime organizado, não reduzirá assaltos ou tiro. Da mesma forma sabemos que não há saída simples para a situação em que nos encontramos. Se fosse prever o futuro, apesto que a sequencia dos atos será: ou o aumento da estrutura de defesa do comando de poder que controla o território, ou o ataque de outro poder que passaria a controlar o território. Em ambos os casos, o estado de vidência permaneceria como parte da realidade do território. O povo, seguirá exausto e descrente de tudo, comemorando fatos isolados como chacinas ou prisão de vereador miliciano assassino e etc, que são vistas como solução a curto prazo. 

Há um embate ético que atrapalha isso tudo. É preciso que parte de quem pensa uma saída concreta legal e legitimada por princípios de direito a vida perceba que o fascismo nesta escala se impõe porque é a escala onde boa parte do povo será cotidianamente violentada. As pessoas aliciadas para o tráfico ou milícia, as pessoas que buscam na violência seu ganha-pão (assaltando pedestre na rua), nunca serão vistas como oprimidas por aquelas pessoas que estão em condições sociais e econômicas parecidas e que por N motivos não entraram neste sistema.

Um processo de segurança pública precisaria de uma ação veemente a curto e médio  prazo de:

inibir roubos e furtos nos bairros,

sistema jurídico que resolva os problemas (falo de todas as cadeiras e não só do criminal),

desmontar o tráfico de armas a partir dos donos do poder e das fronteiras,

promover qualidade de educação e saúde ( que a médio e longo prazo dará os resultados mais significativas), 

Construir uma outra cultura onde 0 alcance de sucesso e prestígio (o famoso "Subiu na vida")  não fique preso no sistema militar/paramilitar,

produzir ações de integração social entre os mais diferentes nichos da sociedade.

Bem, há uma lista enorme ele tarefas a serem feitas, estudadas e implementadas. Nenhuma será fácil, ainda mais na atual conjuntura onde quem nos governa tem na sua base de apoio grupamentos paramilitares que dominam grande parte do território, além de dominar parte do sistema econômico (quem acompanha o mercado de extrativismo de areia sabe ndo que estamos falando).

Enxergar o efeito nocivo que a exaustão e o abandono do Estado trouxe aos mais pobres é fundamental para recuperar minimamente a crença destes de que algo bom pode ser construído neste país. A saída pela terceirização do Estado aos poderes paralelos destas milícias que crescem será a pior escolha. E por que pessoas boas parecem comemorar a morte? infelizmente o resultado de séculos de políticas de controle social pela violência nos educou assim.