25 de abril de 2020

Um pouco o que podemos construir para fugir de caminhos higienistas



O Brasil pós pandemia pode encontrar parte de sua saída econômica pela construção civil, isso é um padrão razoavelmente comum no país.

A construção civil brasileira é capaz de absorver uma diversidade de mãos de obra através de seus canteiros. E sobre isso me faz pensar ao menos em duas questões (que são meio corporativas e meio reformistas entendo, mas são questões a se pensar rs).

QUESTÃO 1 - OBRAS - 1 DE 1000 OU 1000 DE 1

Muitas experiencias mostram que movimentos como este geram mega obras, pois estas a gente consegue repactuar grandes empreiteiros, massa trabalhadora, movimenta vários nichos da economia e da gleba. É um modelo comum de construção de cidades e territórios diversos. Porém penso em outro protótipo, não é uma ideia nova e não é uma ideia que nasce do zero.

Por exemplo observei em um atelie da FAU-UFRJ com a professora Paula Albernaz e Diego Portas (creio que podem mostrar melhor) este raciocínio em que ao invés de investirmos 1000 em um único empreendimento, podemos pensar em mil empreendimentos de custo um.

Tal ação pode produzir coisas bem interessantes, mil canteiros espalhados, mil arquitetos diferentes atuando sobre estes canteiros em verbas que podem ser pulverizadas pela cidade girando os circuitos de economia local.

Este padrão pode funcionar bem para ATHIS, mas pode extrapolar este campo e capilarizar por todas as cidades. Um exemplo de sucesso em torno disso se dá com os coletivos de arborização de bairros como Vista Alegre + Verde ou o Plantar Paquetá

QUESTÃO 2 - RETOMADA DO ARQUITETO DE CANTEIRO e A ARQUITETURA POSSÍVEL

O fomento a obras de pequeno e médio porte também passam pelo fomento do trabalho do arquiteto atuante no canteiro, atuando em todas as fases da obra. Para a maioria das pessoas o projeto sem a obra construída é um problema, o brasileiro tem a cultura da construção e podemos fomentá-la e potencializá-la sendo parte destes processos.

Um exemplo interessante vem de outra instituição, a arquitetura da unisuam que conheci com os professores Gustavo Jucá Andrea Souza Cruz e Núbia Nemezio onde o incentivo vem do entendimento da intervenção no território de forma menos excludente e com um conjunto de projetos, soluções, estética e linguagem arquitetônicas que caibam em um mundo possível. A arquitetura não se prenda só no seu status de elemento de exclusividade. É totalmente diferente para um estudante projetar seu hotel em um hipotético endereço na Barra da Tijuca ou projetar seu hotel em um hipotético endereço dentro do Mandela (em Manguinhos).

Em ambas as situações (questão 1 e 2) poderíamos criar bancos solidários, linhas de fomento, editais, linhas de crédito e mil caminhos (que no Brasil parecem mais abertos a grandes empreiteiros) de forma a favorecer e fomentar os pequenos e médios empreiteiros e arquitetos construtores.

SOBRE GRANDES OBRAS.

É possível que tenhamos força política para pautar um dos principais buracos desvelados nesta crise, a questão sanitária. Para tal, os arquitetos precisam primeiro se ocupar de parte desta pauta, e entender como funcionará nosso encontro com os agentes de saúde coletiva e de sanitarismo

Creio ser difícil colocar o saneamento na proposta dos 1000 DE 1, pela condição estruturante e universal. Porém os arquitetos por sua vez poderiam se posicionar dentro de comissões e comités de bairro com a responsabilidade técnica de averiguar e auxiliar na consolidação das redes, seja por projeto, acompanhando obra, articulação política ou simplesmente denúncias.de forma que participemos tanto da construção coletiva dos planos até a execução dos mesmos, entendendo que pelo caráter estruturante estes tem que ser pensados enquanto um programa político mais amplo, porém necessário.

Para todas as propostas poderíamos criar um observatório dos bairros. instancias de gestão entre o poder público e a sociedade civil que mantivesse continuamente monitorado as relações comuns mais necessárias ao bem estar urbano como arborização, áreas livres, etc.

Em todos estes passos retomar a cultura da presença efetiva do arquiteto no canteiro de obras é um elemento fundamental, e com isso retomar o sentido de arquitetura ser obra construída.

O mais legal é que as experiencias que citei de leve aqui fui aprender com estes professores depois de burro velho e formado, em meio a dias de visita nas instituições, A gente sempre aprende algo e as universidades nunca param de produzir conhecimento.

12 de abril de 2020

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Redes de trabalho vivo dinamizam as lutas pela saúde coletiva nas cidades

#coronanasfavelas Maré Vive

É por certo que as cidades vão mudar. Muito provavelmente a vida pós pandemia nos trará novos hábitos. Isso é tão possível quanto todas as incertezas que isso significa. 

Há mudanças significativas acontecendo e que podem impactar em novo paradigma nas formas de trabalho. Se até pouco tempo atrás a lógica corporativa dominava as mentes no que se refere a trabalho: seja um profissional x ou y, hoje o que vemos são múltiplos fazeres em torno de uma luta comum. 

As disputas anteriores discursavam entre o profissional de certa categoria que representa um todo (ex: arquiteto que sozinho resolve todos os problemas da cidade), ou a flexibilidade e diluição (ex: arquiteto que vira motorista de uber). Creio que o que estamos vivendo está em outra via, onde o saber deste não está acima ou subjugado, mas sim integrado a diversos outros saberes. O trabalho coletivo, integrado e em sistema é o modelo que estamos experimentando neste momento. 

Não são os médicos enquanto categoria única, mas a sociedade como um todo que está unificando as pontas do sistema de saúde coletiva. Não está no hospital o tratamento contra o COVID-19, mas nas estratégias de usos e vivencias da cidade integrada às questões de sociabilidade e sanitarismo. Estas mesmas cidades também não estão sendo projetadas ou planejadas por urbanistas apenas, mas pela diversidade de ações de seus moradores. 

O sentido da categoria profissional como a mente de saber solucionadora por si só não tem mais a hegemonia. O que vemos operar é um conjunto de inteligencias coletivas, nas quais essas categorias inclusive fazem parte. Tanto os médicos que estão no front das UTIs aos Garis que estão no front de sanitização do espaço urbano, estamos todos reconstruindo nossas formas de atuar viver e se integrar. 

É notório que as cidades que apresentam os melhores resultados são as que tem operado de forma mais coletiva e integrada socialmente. Nova Zelândia por exemplo, agiu de forma sistêmica, com seu fechamento de aeroportos, testagem e isolamento de casos suspeitos e o forte isolamento social com base na conscientização da população que se sente parte da solução. Coreia do Sul focou na testagem em massa e rastreamento de assintomáticos, em inúmeros países (como é o caso do Brasil) optou-se pelo isolamento social na busca de conter os avanços da teia de disseminação virótica. Alemanha focou na rastreabilidade máxima dos casos, testagem em massa, isolamento e reforço financeiro no sistema econômico do país. China atuou com forte controle social para garantir o isolamento. 

No Brasil o trabalho se torna mais duro, mas pode ser um exemplo da ação em redes. A incapacidade da liderança central (seu presidente) centralizar as decisões é nossa melhor salvaguarda a tragédia completa. Além disso, temos um Sistema Integrado de Saúde que consegue pensar de forma nacional e local, associando uma série de elementos que vão da construção de hospitais de campanha até renda mínima aos mais vulneráveis. A saúde coletiva integra o micro e o macro, e todo cidadão se torna um agente público de saúde. Em Niterói, por exemplo temos desde políticas de testagem em massa até políticas de renda voltada para artistas independentes que se apresentam em redes sociais.

mapa solidário produzido por arquitetos cariocas.
O isolamento é praticamente o consenso do mundo. Ele fez nascer esta outra forma de vivenciarmos nossos lugares. Se como dizia Le Goff sobre a cidade dos tempos de São Francisco — a palavra urbana estava nas praças — hoje a palavra urbana parece estar nas redes.

Concomitante às estratégias mais estruturadas dos governos, o povo que está em isolamento também se organizou em torno de um circuito de redes. Conectados às pontas da saúde, vemos uma série de ações integradas e multidisciplinares que vão desde a conscientização, ajuda mútua, costuras, artes, denúncias, cartografias populares, monitoramento, entre outros. 
cartaz de grupos de apoio aos subúrbios do RJ

Podemos ver por exemplo:
  • redes de advogados,
  • redes de médicos,
  • redes de psicólogos,
  • redes de arquitetos e urbanistas,
  • redes de moradores de favelas, comunidades, vilas,
  • redes de ONGs e ativismos,
  • redes de artistas e artesãos,
  • redes de cozinheiros,
  • redes de compra e venda de comércios de bairro como forma de manter a economia popular ativa,
  • redes religiosas de ajuda mútua.
No recorte Rio de Janeiro, ainda podemos ver:
  • Escolas de Samba costurando EPIs e máscaras,
  • Brigadas populares de limpeza acontecendo no Santa Marta,
  • Brigadas populares de auxílio para levar água a quem não tem acesso a água,
  • Artistas independentes e famosos fazendo apresentações via internet criando espaços de sociabilidade,
  • lonas culturais e outros equipamentos de cultura funcionando como pontos de apoio e amparo social,
  • redes de pesquisadores trabalhando para produzir equipamentos de respiração mecânica de patente livre,
  • redes de urbanistas criando cartografias que permitem encontrar quem quer doar e quem precisa receber a doação, 
  • redes de franciscanos que promovem alimentação a população que não tem o que comer.
As redes tendem a surgir em tempos de emergência. São uma forma de organização social eficiente para estes momentos. Alinham por si mesmas, de maneira orgânica, a capacidade de agir com velocidade e gerencia colaborativa sobre diversos elos da pandemia. Atuam enquanto instrumentos de trabalho vivo direcionados a pauta comum, que hoje nos é universal: lutar pra sobreviver a pandemia.
Movimento Muda Beaga
É plausível crer que as narrativas corporativas do trabalho tradicional não conseguirão suplantar o trabalho coletivo, sistêmico e integrado (mesmo que seja trabalho realizado por redes de automação e algoritmos) e constituirão lá na frente outros campos da contradição  para se disputar. "Trabalhe enquanto eles dormem, ou Trabalhem pois é só uma gripezinha" são discursos de campos antigos que acabam por reduzir a vida a esta lógica corporativa do trabalho individual como forma de crescimento pessoal. Esta narrativa não terá efetividade neste momento para além de nos levar a tragédia.



O que estamos experimentando neste recorte, escala e momento é o trabalho cooperativo e internacionalizado. Nos movimentamos com base em informação e na dinâmica de trocas constantes onde autoria, patente, protagonismo estão em segundo plano. Assim, as redes caminham fortes rumo a se firmarem como paradigma. Sejam redes de dados e algoritmos para controle social com a consolidação de instrumentos de big data que propiciem quase uma automação de decisões sobre o urbano, sejam redes de diálogos em trabalhos, sejam redes de resistência e lutas anti-segregação, ou redes comunitárias de colaboração. Talvez estejamos caminhando para um ponto complexo onde a automação das decisões sobre a cidade se confrontem com a realidade dos muitos segregados dentro dela.



As novas lutas pelo trabalho talvez tenham que se deslocar do campo corporativo e caminhar para as lutas em defesa do trabalho vivo e mais amplo. Por exemplo, sindicatos lutando menos por uma visão de um grupo específico e mais pela visão do todo da produção e segregação. As pautas se tornarão cada vez menos a proteção a uma categoria e cada vez mais a proteção coletiva  dos sem trabalho, dos sem emprego e sem renda, cada vez mais a luta por novas formas de vida do que por empregos ou empregabilidades. 


Se esta forma de organização que começa a ganhar a produção das cidades em meio a crise sanitária se tornará um padrão, não temos como saber. Ainda é muito cedo para produzir algo assertivo a respeito da pós-pandemia, mas podemos dizer que um modelo de auto-organização produz resultados importantes de vivencias sociais e que estas devem ser consideradas em processos de emancipação das decisões políticas.

croqui sistematizando redes (autoria própria).

9 de abril de 2020

Vamos garantir o isolamento em todas as cidades, pois ele funciona

Vamos garantir o isolamento em todas as cidades, pois ele funciona.
Primeiro, vale sacar o que é a curva exponencial:
(este exemplo não é a curva do brasil da foto)
Se a cada uma hora 1 elemento virar 2, teremos com dois elementos:
hora 1 = 2-4
hora 2 = 4-8
hora 3 = 8-16
hora 4 = 16-32 - 4 horas depois temos mais de 30.
hora 5 =32- 64
hora 6 =64-128
hora 7 =128-256 - + 3 horas depois temos mais de 250.
hora 8 =256-512
hora 9 =512-1024 - +2 horas depois passa dos 1000.
hora 10 =1024-2048
hora 11 =2048 - 4096
hora 12 =4096 - 8192
hora 13 =8192-16384 - +4 hs depois passa dos 15 mil.
hora 14 =16384- 32768
hora 15 =32768 - 65536
hora 16 =65536 - 131072 +3hs depois passa dos 100 mil.
hora 17 =131072 - 262144
hora 18 =262144 - 524288 +2hs depois passa dos 500mil.
hora 19 =524288 - 1048576 +1h depois passa dos 1 milhão.
hora 20 =1048576 - 2097152
hora 21 =2097152 - 4194304
hora 22 =4194304 - 8388608
hora 23 =8388608 - 16777216
hora 24 =16777216 - 33554432 +5h depois passa dos 30 milhões.
No fim de um dia 2 elementos virarão 33.554.432. trinta e três milhões quinhentos e cinquenta e quatro mil quatrocentos e trinta e dois elementos. Esse é um exemplo de como funciona o crescimento exponencial. É por isso que num dado momento onde você é um em um milhão os casos afetados são só números e em outro momento eles viram um vizinho, um conhecido, um familiar...
No gráfico abaixo estão os casos reais destas dobras no Brasil. É possível perceber com clareza como o intervalo entre a dobra da quantidade de infectados ficou mais espaçado, a partir principalmente do tempo de isolamento social. Se antes a dobra tinha começado a subir de dois em dois dias, a partir do isolamento começou a ocorrer entre quatro e cinco dias de diferença.
Esse espaçamento é o que está segurando o Brasil de virar um caos completo e é ele que precisamos garantir e ampliar.


Não é porque a curva aumentou que as políticas de isolamento devam ser amenizadas ou afrouxadas, e não é porque tá na cabeça do povo que a doença "não pegou no Brasil" que a gente deva afrouxar.
O Brasil já está com bastante casos. Já vemos nas cidades maiores os números virarem nomes de conhecidos e familiares. Quanto mais a gente segurar o isolamento maiores as garantias de passarmos pela crise com menos impactos dos mais diversos.
Enquanto o presidente está igual um vendedor de cruz da natividade vendendo sua cloroquina de nióbio, algumas cidades estão trazendo boas práticas como Niterói por exemplo. E este parágrafo não é pra fazer politicagem - Nesta hora devemos sinceramente cagar pra brigas entre dorianos, maianos, bolsominios e lulominions e centrar no que importa. Primeiro porque ninguém desses ou outros vai se capitalizar politicamente e de forma personalista com isso (seria crachá de oportunismo estampado na testa), e segundo porque esses caras cagaram no pau da saúde coletiva e saneamento esse tempo praticamente todo, e talvez a única diferença é que o presidente é nazi e sua posição, diferente da dos demais que são seres humanos, é de que as pessoas podem morrer em massa (como auschwitz e holodomor) em nome dos seus comparsas da necropolítica.
Retomando:
O isolamento é fundamental pois nos dá tempo para enfrentar a crise que a pandemia nos colocou. Ele garantirá maiores sucessos.
Esse tempo é precioso para, por exemplo:
- construção de hospitais de campanha.
- levantamento de quem pode ser relocado em quarentena para locais mais salubres com os quartos de hotéis
- comprar e produzir mais testes
- produzir mascaras de proteção
- ensinar a usar (colocar e retirar as máscaras) se não num adianta nada.
- ensinar a descartar as mesmas.
O discurso de afrouxar o isolamento em cidades médias é ruim. Primeiro porque em geral no Brasil, inúmeras destas cidades não tem hospital capaz de sustentar casos de covid (mesmo que poucos casos), segundo porque cria a falsa impressão de que podemos afrouxar todos as cidades, afinal o que é exatamente afrouxar um caso.
Bérgamo na Itália, tinha 120 mil habitantes, um número próximo de São Pedro da Aldeia no Rio de Janeiro e a cidade não conseguiu cremar seus mortos. É importante mostrar estes parâmetros, e mandar a real, sem teste em massa dificilmente isso será afrouxado.
Isso são só exemplos rápidos de um pouco do que precisamos neste momento. Para garantir passarmos com menos danos possíveis, precisamos de tempo e para ganhar tempo precisamos manter o isolamento como boa prática sanitária para não vermos o caos reinar no país.
Vale perceber que o isolamento físico não significa o isolamento social. Juntem-se em redes, formem elos, construam pontes de comunicação e solidariedade, nestas horas as vezes uma mensagem de bom dia para um morador de um local vulnerável já ajuda muito. Fortaleçam os laços horizontais da sociedade, unindo todas as pontas da saúde, da coletividade e da vida.

7 de abril de 2020

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7 de abril dia da Saúde - Cidades Segregadas: tivemos copa e não temos saneamento

Teleférico Morro da Providência - Rio de Janeiro RJ (hoje está parado).

Hoje, dia 7 de abril comemora-se o dia mundial da saúde. Enfrentamos neste dia nosso maior desafio em muitos séculos, o combate a um vírus super transmissível e que é fatal. Em meio a crise global, outra nacional nos assola. O distanciamento social que temos que manter mediante isolamento é transpassado pelo distanciamento econômico que a segregação urbana nos permitiu.

Se a cerca de um século atrás, a gripe espanhola nos afligiu de forma semelhante, criando laços e reformulando as pautas de construção de cidades, o Brasil pós-pandemia poderá sofrer pelo mesmo caminho. Porém, antes de chegarmos no Brasil pós-pandêmico temos que chegar no Brasil vivo hoje dentro da pandemia é resultante não apenas dos processos de inicio do século passado de segregação, mas das políticas contínuas desta segregação.

Podemos enquanto urbanistas arquitetos comemorar algumas vitórias recentes (não tão recente mais) como o Ministério das Cidades e o Estatuto das Cidades, ou a lei de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social, mas devemos pesar que cidades e que espaços são estes que foram produzidos a partir deste ponto.

O Brasil Olímpico e da Copa das Copas retrata modus operandi dos processos de projeto e implementação de urban design mundo a fora. Operam deixando pautas progressistas e democráticas entrincheiradas em certos espaços de respiro, certas quantidades de editais e coisas do gênero enquanto pautas hegemônicas do tradicional veio aberto seguem pelos sistemas de sempre. Se um MCMV Entidades nos obriga a um apuro e afinco gasto de energia com regras onde entidades tem que batalhar para conseguir um mínimo, um MCMV da Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, MRV Engenharia conseguiam e conseguem firmes e fortes contratos massivos para fazer barragens, rodovias, e MCMV em verdadeiras não cidades sem que pareçam obrigados a apresentar a sociedade os resultados concretos disso. A cara do Brasil faz parecer que é mais fácil conseguir dinheiro no BNDES do que empréstimo no cartão C&A.

Por exemplo, coube a Odebrecht, OAS e Delta a construção do teleférico no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro olímpico. Hoje o dia mundial da Saúde anunciou dois falecidos por covid-19 no Complexo, que tem seu teleférico parado e continua sem saneamento. O Alemão, que fica no Rio de Janeiro, cidade do Porto Maravilha, que assim como em Porto Madeiro em Buenos Aires ostenta um ícone arquitetônico como marco capital deste modelo de cidade.


MCMV em Mata do Cacau - ES.

Podemos e devemos citar outros casos recentes como o Cais Estelita Demolido e reprogramado pelo Consórcio Novo Recife, formado por Ara Empreendimentos, GL Empreendimentos, Moura Dubeux Eng. e Queiroz Galvão, ou também Belo Monte, talvez a maior obra deste setor político-construtivo envolvendo a robustez de grandes construtoras. 
Fazer cidades, no seu sentido material é um grande negócio e estruturante de país.

O Brasil vê na construção civil a capacidade de movimentar uma economia de massa graças a canteiros de obras onde a segregação social se mantém mas permite o mínimo de capital de giro na sociedade (pense no salário do servente, do serralheiro, do carpinteiro, etc) e de movimentar grandes estruturas econômicas que mantém constantemente ativas pelo lobby. Somado a isso constroem cidades a partir de plugs de tecnologias e produtos que caem de forma invertida no território. Fica a questão, foi o Complexo do Alemão que pediu um teleférico ou foi o teleférico que precisaria ser instalado em algum lugar para sair bonito na foto do Rio Olímpico? E o que sobra aos ativistas, se não as migalhas? 

São Migalhas como aplaudir o espaço identitário que restou ao Porto Maravilha de retratar o índio em grafite enquanto Belo Monte se transformou em um operativo financeiro de quem verdadeiramente construiu o Brasil. São migalhas como disputar os pouquíssimos editais de entidades que transformam-se em verdadeiras máquinas de captura de movimentos e de divisão entre pobres enquanto os mesmos morrem de fome. Aos pobres a migalha e a fome, e agora a doença. 

Parece bem propício ao Brasil pós-pandêmico operar economicamente o setor da construção civil com o discurso de uma nova forma de pensar as cidades, pois como já dito, a construção civil move massas da economia. Esta nova forma por sua vez, não poderá vir com os vícios das formas velhas, venham de que lado vierem, assim como o discurso participativo de construção de cidades não terão efetividade se vierem viciados em instrumentos já previamente capturados.

O enfrentamento da cidade segregada passará pelas encruzilhadas da sociedade como um todo, precisará considerar e consolidar as vozes mais diversas e não apenas as organizadas de que forma estejam. O primeiro passo para enfrentar a situação é admitir que construímos cidades segregadas, e que mesmo alguns poderes que se ventem como progressistas construíram cidades segregadas. A segregação espacial dos pobres é o paradigma de manutenção do sistema e destas formas de cidades.

A partir deste ponto, precisamos demolir da pauta o sistema lobista de construção de cidades, buscar melhores relações de usos de seus espaços, produzir educação de cidadania e integração de relações e redes de sociabilidade. O trabalho na escala orgânica da vizinhança é mais que narrativa, ele ocorre no dia a dia, cade a nós dar ouvidos a este trabalho, explodir para fora de nossas bolhas, partidárias, aparelhos e ações grupescas ou categorizantes e ouvir do outro cidadão comum.


Outro ponto, é importante emancipar o cidadão, seja pela saúde,  pelo conhecimento, pelo direito à cidade entre outros e deixemos que o cidadão construa seus caminhos, inclusive de organização da vida e de sua espacialidade. Primeiro precisamos universalizar e emancipar o saber e a saúde, para só depois começarmos a ver como as formas de organização e sociabilidade funcionam, Provavelmente nenhuma associação de moradores, grupo de minoria, coletivo cultural, partido político vai ter mais velocidade e capilaridade que o discurso de uma vizinha faladeira.

O Brasil de hoje é em muito a cara disso: Por um lado movimentos organizados aplaudem o grafite como resistência enquanto as Odebrechts da vida construíam Belo Monte e Portos Maravilhas de braços dados com quem quer que seja.Por outro lado o fascismo foi capturando a indignação dos mais pobres que não conseguiam lavar as mãos com teleférico e nem se alimentar com tinta de grafite. 


As maiores derrotas na concepção de cidades ficam estampadas em algumas pautas. Quando perguntamos que cidade queremos, ou quando levantamos bandeiras do tipo: A cidade é para as pessoas. Fora o pior de todos, as soluções mágicas tipo Rasputin: teleféricos e VLTs que saem da cartola. Estamos assumindo o quão distante ficamos desse debate e da construção emancipatória das cidades e o como ainda estamos presos na visão de mundo de que há um modelo ideal de cidade a ser alcançado. As cidades que traçamos estão sempre o campo do Amanhã, quase aptas a serem artefatos do Museu do Calatrava. Não estamos na caverna de Platão, estamos na cidade real e ela é segregada, abandonada e usurpada por inúmeras esferas de poder, muitas das vezes com nossa ajuda inocente ou não.

Onde está a saúde coletiva nestas cidades construídas? 
É exatamente isso, esquecemos.




Porto Madero - Buenos Aires - Grafite retrata luta identitária feminista e ponte da mulher (obra de Calatrava).
Porto Maravilha - Rio de Janeiro - Grafite retrata povos originários e minorias étnicas, no Porto encontra-se o Museu do Amanhã obra de Calatrava.

Novo Recife - Recife - Proposta para uso do espaço do Cais Estelita