6 de agosto de 2021

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Pilhagem Urbana do Rio

Começo o texto a partir de uma notícia recente. Saiu no diário do Rio matéria comentando sobre o agravamento imobiliário na Barra da Tijuca causado pela mudança da Vivo de sua sede neste bairro para o Porto Maravilha.  Esta matéria, apesar de focal, fala sobre um processo histórico da cidade do Rio, a disputa territorial pela centralidade comercial da cidade.

Os grandes pensamentos imobiliários e interventores que definem esta cidade, a muito tempo que tencionam esta disputa. Temos o Rio com um centro oficial, claramente delimitado e legitimado pelo processo histórico de formação deste país, e a proposta idealizada de construção de um centro novo. E em meio a isso, para o restante da cidade, o De Janeiro, fica o desleixo e esquecimento de tudo que não rebate diretamente nestes espaços.


Mapa turístico do Rio de janeiro


Esta cidade, que já fora um símbolo de esplendor, saiu de capital oficial da nação a capital cultural, a muito que segue sendo vista como um grande canteiro de obras. Não importa pensar a cidade pelas suas vivências, o que importa é criar possibilidades de solo para que meia dúzia possam construir. A partir deste movimento, se precifica toda a vida urbana. Sim, quando se inaugura um imóvel no Leblon cujo preço do metro quadrado é quase o dobro do que se tinha naquele bairro, isso gera uma reação em cadeia, subirão todos os valores de todos os bairros em escala, assim como o custo de vida total. 


A retirada do olhar espacial qualificado do território se torna um estratagema que a curto prazo pode favorecer o lobby da especulação, mas a médio e longo prazo deteriora qualquer boa relação de vivência para os cidadãos. Perdemos a queda de braços entre qualidade urbana x maior lucro viabilizado por potencial construtivo e com ela se vai também as ambiências, os elos de conexão que fazem a cidade ser cidade. 


Os anos de verbas gordas do Rio experimentamos um boom construtivo, Muitos dos terrenos das antigas fábricas foram se transformando em condomínios fechados, uma espécie de “barratijucanização” da vida. Não é difícil perceber, que inúmeros deles foram inseridos sem qualquer cuidado com o entorno, caem nos terrenos como uma ilha, só se preocupando com a porta de entrada e saída. Também não há preocupação de entender que a dinâmica das demandas por moradia na cidade não são respondidas por este elo da especulação imobiliária. Hoje é comum vermos muitos destes condomínios relativamente esvaziados, em bairros que sentem falta de verde, de praças, de calçamentos decentes. 


Rua Degas: Fundos do Norte-Shopping, Fundos da Leroy-Merlyn, porta de condomínio


O que se pensa em urbanismo pelo poder segue a mesma prática do velho sanitarismo, já amplamente criticado pelos sanitaristas contemporâneos mas ainda praticados nas pranchetas dos comerciantes de propriedade e alguns urbanistas desta cidade. A prática de se substituir um espaço embora aparentemente velho porém vivo, por um modelo que é completamente indiferente com a conectividade local. Se a verticalização exacerbada representou um caminho (questionável a meu ver) para Hong Kong cuja costa Norte precisa dar resposta a uma demanda de 26mil habitantes por km², não precisa ser um caminho para nós visto que a densidade do Rio é aproximadamente cinco vezes menor.


Prédios em Hong Kong: foto por Romain Jacquet-Lagreze.


Nosso problema habitacional não está na falta de espaço, mas na super concentração da propriedade que vira moeda de especulação. Não há eficiência da fiscalização pública, instrumentos urbanísticos como o IPTU progressivo ou a fiscalização sobre imóveis sem uso e função social é baixíssimo, seguimos ao relento. Assim, o rico especula o valor de sua riqueza com os terrenos que tem enquanto o pobre constrói no espaço que lhe sobra e o arquiteto desavisado se perde tentando achar a quimera da boa arquitetura, da boa forma, do urban design como salvação. 


Rua Nicarágua, Vista livre da Igreja da Penha, Direito Paisagístico.

Chegamos neste Rio Cidade Maravilhosa, Cidade Olímpica, já foi Rio 450, já foi Capital Mundial da Arquitetura cujo poder não demonstra minimamente o interesse de proporcionar qualidade urbana completa para 80% do seu território onde moram os mais pobres. Assim, nosso lugar segue refém das políticas mais toscas e da degradação de todos os bens construídos que nos são afetivos e importantes. Ao mesmo tempo que vemos surgir espigões em qualquer terreno vazio e não temos sequer respeitado por parte do poder, o direito de assistência técnica para construirmos no espaço que nos sobra.


Condomínio da Cury sendo construído na beira da Linha Amarela (via expressa sem comércio local, sem sinalização, sem apoio para pedestre).