15 de março de 2019

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Ser radical: voltar-se para as raízes do problema

O Brasil parece estar nitidamente em um grande stress social. Com as relações cada vez mais esgarçadas, debates a flor da pele, vemos nossos códigos de crença desabar diante de nossos olhos.
O campo progressista perdeu a imensa oportunidade de construir um sistema educacional verdadeiramente emancipatório, talvez por não ter forças suficientes diante das inúmeras municipalidades onde houve a necessidade de manter campos de coligações para garantir governabilidade. O que implica materialmente é: são décadas e mais décadas de degradação do sistema educaional no país, seja público ou privado, o que venceu parece ser uma lógica de desvalorização do professor, da importância do conhecimento.
Porém isso reflete, em realidade, o conceito de vida no qual estamos inseridos.Quando observamos as inúmeras escolas deste país, o olhar para a sua arquitetura nos revela mais similaridade destas com um presídio (que se resume em depósito de gente e não em um espaço de ressocialização) do que com algo capaz de propiciar boas relações interpessoais. Assim também são as cidades onde se povoam o ideário de condomínios-shoppings e mega vias. As possibilidades do encontro com o outro, com o diferente são constantemente minados. Este outro que,quando não e familiar, se torna uma ameaça.
A perda da esperança, o medo da ameaça é um dos principais alimentos do espírito fascista que ronda nossa sociedade. Espírito esse que é muito bem utilizado por movimentos milicianos para impor seu poder em todas as esferas que alcancem, mas que também faz vítimas como todos os envolvidos no caso da escola em Suzano (incluo os jovens assassinos entre as vítimas sistêmicas).
Se o campo progressista perdeu a oportunidade da pauta, o campo da direita nem pauta tem: balbucia sobre corte de verbas, caça a professores com a falácia do escola sem partido, e ainda conseguem fazer pronúncias públicas a favor do lobby armamentista, mesmo diante de tamanha tragédia como a ocorrida na escola Raul Brasil.
Em meio ao fla-flu mitológico de slogans, twitters, lacrações, falar merda na internet, em que fomos enfiados enquanto sociedade, há um imenso vazio. Talvez já tenha passado da hora de sentarmos na reconstrução de uma política de repactuação popular, calçada a calçada, bairro a bairro com a universalização plena dos direitos, inclusive o direito de propor, pois estamos a passos muito rápidos para a barbárie e o fascismo que caminham no desespero por tapar o buraco do vazio existencial em que a sociedade se encontra.
O que vemos nesta sociedade em que estamos inseridos é: a última coisa que precisamos é de mais armas de fogo. Antes dela, precisamos de um forte sistema de saúde com acesso amplo a tratamento psicoterápico (incluindo fortes campanhas que demonstrem a importância social deste tipo de tratamento). Outro exemplo que considero necessidade: pensar em um sistema escolar socialmente referenciado, já desde sua arquitetura que não precisa ser tão enclausurada a sociedade, e cuja pedagogia permita e favoreça o uso da cidade como espaço de educação e o uso da escola como espaço de congregação social. Claro que nenhum caminho é simples, não tem como ser. Esta é a grandeza que estamos perdendo em meio a esquizofrenia política em que vivemos. Precisamos sair dos recortes que envolvem lacrações, escrever frase de efeito no twitter, lutas publicitárias ou demagógicas, arminhas com a mão, e trabalhar com a firme realidade de que precisamos sentar para construir novas possibilidades. Tendo muita clareza de que estamos em um mundo movido por afetos como medo, ódio e intolerância só tenderá a nos levar para o buraco mais profundo.
Ao campo progressista lembro: Ser radical na letra da palavra é voltar a raíz do problema, e para tal precisamos de aprofundamento. Somos maiores do que toda e qualquer força que está nos governando, e somos muito mais plurais que qualquer nicho em que estamos inseridos ou subdivididos. Já são longos anos que o recado popular eleitoral dado é o mesmo: ninguém nos representa. Em meio a descrença, cansaço, niilismo, são muitos os motivos que levam a massa de votos pertencer a alguma negação (inclusive nas ultimas eleições onde inúmeros votos de um lado foram apenas uma forma de dizer não ao outro). É neste espectro que precisaremos reinventar os espaços democráticos populares. Mas qual a resposta ideal? não sei dizer, nem sei se existe.