12 de março de 2020

Pequena reflexão sobre os rumos de uma pandemia

     O anúncio da expansão territorial pandêmica alcançada pelo corona vírus pôs o mundo diante de muitas reflexões. Dentre elas, escolherei um caminho para o debate. Qual o limite de nossas fronteiras?
     A velocidade com a qual o vírus alcançou o mundo revela a importância de pensar e produzir o comum como um caminho de sobrevivência. A ciência se inter-relaciona na busca de tratamento e cura. Junta-se o resultado de um pesquisador de um lado do planeta com os dados de outro somado a artigo de um terceiro.
     O processo pandêmico derrubou estruturas econômicas e revelou o que muitas vezes esquecemos: como há fragilidades nestas conexões que organizam o mundo em seu delicado equilíbrio de desigualdades. O Vírus afetou o kernel deste universo e desvelou uma coisa óbvia: a compreensão do mundo a partir da simplificação das explicações econômicas e o olhar hegemônico da importância da mercadoria não trazem respostas a todos os nossos problemas. Basta uma doença não caber bem nas caixinhas pré-definidas do sistema para que as informações circulem truncadas, surjam teorias diversas e explicações desconexas.
        Isso se revela mais problemático ainda quando chega ao nível dos chefes de estado. Há por exemplo um equívoco tremendo quando um ministério no Brasil não fomenta a participação de nossos pesquisadores nos processos coletivos mundiais de desenvolvimento de tratamento do vírus. Equívoco similar ao Trump e seu discurso simplista de fechamento de fronteiras, nada muito diferente das tentativas do governo chinês de não deixar a informação circular a velocidade do vírus.
     Ao que tudo parece, o maior desafio de enfrentamento ao COVID-19 está em acompanharmos a velocidade viral, este novo paradigma de tempo e território. Este paradigma ao que parece está sendo melhor compreendido no universo da saúde mundial. Falamos de um ente que não atinge um grupo social definido, não faz recorte de classe e não reflete só nas minorias, sejam elas étnicas, religiosas ou de gênero. Sua velocidade e capilaridade social também nos impede de combater este ente por um olhar puramente classista de tratamento. Seria inviável propor tratamento e cura apenas para um determinado grupo, visto a capacidade fácil de transmissão.
      Desde o sinal de pandemia e mesmo antes, a comunidade científica se envolveu na disputa e demonstra ter as melhores ferramentas de ação para o combate. Um rápido correr pelos noticiários e somos capazes de ver que, enquanto Trump pede bloqueio do país a vôos estrangeiros e Bolsonaro faz piada, cientistas brasileiras mapeiam geneticamente o virus, cientistas chineses e cubanos trabalham em desenvolvimento de vacinas, cientistas catalães trabalham em parceria com grandes farmacêuticas. Todos atuando em rede com um foco.
       Não estamos descrevendo uma história militante anti-imperialista e nem o vírus é um ente do mesmo tipo. o que está posto ao que me parece é: diante de uma ameaça global, só conseguimos dar resposta eficaz em caráter global, onde o ato de compartilhar se torna o instrumento mais bem sucedido de resposta viral.
        Vale a pena entender como o mundo se porta cientifica e tecnicamente diante da crise instalada, acompanhar a necessidade de universalidade do sistema de saúde e vida como um direito comum e utilizarmos como exemplo. A velocidade viral não poderá ser vencida pelo tempo lento das burocracias, dos segredos de estado, sigilo industrial ou elaboração de patentes, não que isso esteja excluído, mas que sobrepujando isso traçou-se um projeto ético comum.
       São múltiplas as fronteiras que vamos quebrando se buscarmos outros caminhos de reflexão, sejam elas as territoriais, sejam as narrativas e simbólicas. Em um mundo que tanto descredibilizou a ciência e onde a representação pela representação, sem projeto comum se tornou um padrão político, a ciência segue nos apresentando bons rumos.
      Em países como o Brasil, as lutas serão maiores. A falta de planejamento político e interesse pela saúde universal nos imputa a iminente tragédia. Riscos como a falta de saneamento para grande parte de nossas cidades nos trará o maior dos desafios, salvaguardar o colapso do sistema de atendimento primário a população, que já sofre com muitos problemas. Não temos o direito a escolher qual doença trataremos ou não, portanto nenhum discurso de comparação entre doenças e suas letalidades não cabem em pauta. Importante entendermos fora da polarização que, o oposto do alarmismo não é a negação dos fatos.
    Neste momento, politizar o debate sobre o COVID-19 será romper as fronteiras da polarização em que as rasas representações se sustentam e construir um projeto comum, onde independente dos interesses privados que os envolvam alcance o objetivo focal de tirar o mundo do alerta de pandemia.