24 de março de 2020

A cidade e a pandemia parte 3 - reflexões rápidas sobre o mundo do trabalho.

A pandemia talvez seja o primeiro grande enfrentamento deste novo tipo de trabalhador que se torna hegemônico na sociedade brasileira, em especial nas grandes cidades: O autônomo precário. Este trabalhador que vive do bico, do imediato, que não tem patrão nenhum e muitos patrões ao mesmo tempo e que empurra todo o sistema de trabalho para um modelo de negócio similar. O sonho do grande capital é ver todo trabalhador de carteira assinada “sendo seu próprio patrão”, assinando sua pessoa jurídica seja em que caráter for. 

Nada é mais parasita no mundo contemporâneo do que empresas como UBER, CABIFY e similares, onde você “é o patrão”, o dono do carro, quem assume todos os riscos para que a empresa gere lucros exorbitantes. Também nada é mais ilusório do que o trabalhador que é obrigado a usar um CNPJ seja de EIRELI, ME, MEI para se manter subempregado em algum sistema do capital. Não! não culpemos o trabalhador, que na maioria das vezes não tem escolha, ou se sentem bem fazendo algo (muitas vezes é um trabalho que gostam e tem que se virar). 

A defesa do precário parece bonita na teoria, mas é um tiro de misericórdia. Em nome das narrativas do Do it Yourself, faça sua agenda, seja você o dono do seu tempo, seu tempo e seu dinheiro se restringem, não duram para o fim de semana, para as férias, para a pausa da vida, e quiçá para uma crise de saúde do tamanho da que enfrentamos.

Cortando de forma transversal o mundo, o vírus colocou as estruturas capitalistas em um cheque, e diante do cheque obrigou o sistema a tentativas novas de organização com a ruptura do efeito de inércia. O momento pesou na mão e o governo escolheu seu lado, o mesmo lado que lhe pôs: um grupo do grande capital, defensor de estado mínimo, escola austríaca, anti-científico e religioso. No que tange a estrutura superior parece haver um racha, em especial de ordem científica. Se por um lado alguns de seus ministros trabalham firme no combate a crise de saúde que está dada, por outro lado parte se foca em tentar salvaguardar a economia para os que lhes interessam. 

Neste sentido, a escolha de Guedes varre a população para frente da pandemia. Na necessidade de salvar os seus, leia-se claramente — OS SEUS- e não a economia, Guedes propõe a chave para a maior derrota humanitária deste país. Isso não significa que antes era tudo perfeito, faz anos que as políticas de seguridade social do Brasil foram sendo achatadas, o Sistema de Saúde Pública que no papel é de ponta só sobrevive firme pelo esforço de muitos que trabalham em situação precária lá dentro, mas isso não deve ser motivo para amenizar Guedes, afinal a chave da economia está com ele. 

Nossa vida real, para longe dos teóricos e economistas austríacos ou de Harvard ou da FGV é assim, vivemos no dia a dia da escassez. Temos escassez de segurança social, de saúde pública de escola de qualidade e que pesado,…até de saneamento. Impressiona ainda termos problemas de saneamento visto que as tecnologias principais desta ciência existem desde antes de tempos babilônicos. Sim meus amigos, o povo de Nabucodonosor tinha mais rede de água e esgoto que os moradores de Santa Cruz.

Atualmente, um dos mais importantes campos de luta do trabalhador está no território. Hoje, diante da pandemia o território está na luta para viver. E na crise está dado a importância do cidadão. O povo tem que escolher: ou para e faz quarentena ou corre o risco de pegar uma doença sem cura e que mata. Diante de tal olhar, o mais prudente de qualquer governante seria delinear ações bruscas mas efetivas que: 


1- garantam o minimo de dignidade para cada cidadão sobreviver e enfrentar a pandemia.

2- garantam a estratégia de combate a doença efetiva, clara e universal. 

A questão dada é, como pensar isso diante do olhar obtuso de Paulo Guedes e seu chefe para quem estamos todos em histeria?

Não perceber que o capital do mundo parou para que a humanidade não morra é olhar mais raso que estes senhores poderiam ter. E neste momento optar por medidas de austeridade é assinar o atestado de genocídio do povo. Esta é a burrice e visão tacanha de quem não percebe que a economia do Brasil gira em torno da força massificada de seu povo precário. Pois o precário não abrange só o pobre (que as pessoas tem em mente estereotipadas), abrange também essa imensa gleba de brasileiros com formação superior, ou os chamado de classe média que vive de trabalhos sazonais, entre outros. 

Sem ações que possibilitem ao trabalhador o mínimo de segurança social e estabilidade, o risco Brasil será o risco de vitória da Pandemia. Pois: ou teremos um caminho de medo de ficar em casa e perder o emprego, ou um caminho de desespero dos que ficarão desabastecidos do sistema. Dar margem a esse risco é nefasto e burro, nefasto pois é assinar o atestado de aumento de violência e morte dos mais pobres. Burro pois inviabilizará a necessidade de cumprir a risca os protocolos de saúde que podem garantir a vida de todos. A pequenez do presidente e de seu ministro da economia fica clara a cada novo ato, palavra, discurso e resolução.

O mínimo que deveria ser feito neste momento é a aplicação da Renda Mínima Universal e somando a isso o fortalecimento de recursos para o Sistema Único de Saúde. Quanto mais recursos investirmos agora em tratamento via reforço da estrutura de redes hospitalares, e em Pesquisa e Desenvolvimento para que nossos cientistas consigam avançar nas colaborações internacionais que estão buscando arduamente a cura para a doença, mais rápido poderemos sair desta. 

Os que arrocharam, sucatearam transformaram a Saúde Pública em esquemas para vender OSs por aí agora vão sentir o tamanho do estrago que fizeram. Talvez não se criem politicamente mais, pena que pode ser as custas de perda de vida de inúmeros brasileiros que nada tem a ver com seus lobbys. 

Vamos pagar caro pelo sucateamento de anos de instituições públicas, pagar caro pelos séculos de falta de saneamento para imensa parte da população, e pagar caro pelas escolhas burras deste presidente e seu banqueiro. 

Mas é possível que este novo corpo de trabalhador, que se organiza por fronteiras diversas e que transversa a maioria das instituições (e por isso muitas das vezes as instituições não alcançam ou entendem como certos movimentos acontecem) experimente em muitíssimo breve um ciclo de greves selvagens, as primeiras após o decrepto e bizarro dia 15, o famoso dia do foda-se. 

Mas quem somos os que vamos pagar caro?
Sou Ninguém! Tu és Quem?
És tu — Ninguém — também?
Então nós somos um par!

A crise agora é humanitária, e a luta é para que todos tenhamos vida.

E na boa, uma resposta ao dia do foda-se, parafraseando o único presidente que respeito, vivido das e nas ruas e falecido no SUS:

QUER UMA PALAVRA DE CONSOLO?
FODA-SE O BOLSONARO! 

QUEM MANDA NESSA PORRA AGORA É O SUS!