24 de março de 2021

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Porque eu leio Koolhaas

Bom, primeiramente, esta é a parte um de um texto com este título, em breve produziremos outro para aprofundar a questão propriamente dita. A resposta ao que seria esta pergunta é simples de responder. Basicamente é importante ler Koolhaas, não por ele ser um arquiteto pensador de cidade, mas sim por ele ser um arquiteto que desenha, define e projeta arquiteturas de grande impacto nas metrópoles. 

O problema maior consiste porém no fato de que Koolhaas, embora não seja mais o arquiteto hype das escolas, ainda faz parte do nicho que hegemoniza conceitualmente a profissão. O arquiteto salvador, dono das verdades e das soluções, capaz de revitalizar toda a vida humana com um risco, um pensamento, um diagrama ou um powerpoint, mudam-se detalhes, elementos, concepções estéticas, mas pouco se muda a produção de ícones a construção de símbolos exclusivos a ser seguidos. Mesmo quando há mudanças de referencial, como vimos este ano com a premiação de Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal, o sistema imbuído de construir segue o mesmo. Também pouco falamos do principal, como estes profissionais consolidam-se no mercado.

Sobre a Koolhaas, o que me importa na leitura é menos seu entendimento de cidade e mais a forma como sua narrativa se relaciona diretamente com o seu papel no modo de produção urbana e arquitetônica do grande capital. Mas para nós o que interessa é o espaço imenso com o qual Koolhaas não se articula diretamente, e cuja produção é sombreada pela autoconstrução, pela construção simples, pelas estruturas diferenciadas, pela precarização profissional. Assim, a grosso modo, um texto de Koolhaas é praticamente um receituário do tipo de espaço projetado e concebido que este tipo de arquiteto quer e o koolhaanismo não reflete um movimento, no máximo um sistema publicitário de si.


Uma expressão pop de Koolhaas “Arquitetura é uma perigosa mistura de onipresença e impotência”, que já podemos comparar em sucesso ao paradoxo do abismo de Zaratustra, é uma ótima demonstração de como este arquiteto constrói sua narrativa por uma justificativa. Sua frase conceitual de arquitetura o coloca no limite de todas as possibilidades possíveis de serem feitas, além de lidar com o teto de total impotência diante da liberdade. Koolhaas não vai questionar o capital pois é impotente, porém ao construir seu edifício, tudo lhe é possível e o céu é o limite.


A profissão está em contradição, à medida em que houve uma expansão e democratização das universidades no Brasil, massificou-se o número de arquitetos. Assim, se a alguns anos tínhamos uma profissão com um certo controle social e econômico da entrada de novos nomes no campo de trabalho, hoje esta entrada está sem controle claro. A discrepância é que, esta massa de arquitetos não se encaixa no modelo hegemônicos da arquitetura ícone que produzem os Koolhaas da vida. Estes arquitetos seguem muitos deles periféricos, pobres e apartados da dinâmica do ofício.


A crise piora à medida que os modelos de empregabilidade derretem. Hoje o padrão é o desemprego e a luta pela sobrevivência. Você pode ser arquiteto ter um projeto hoje e ter que fazer viagens como uber amanhã para fazer o ganha pão. Cada dia mais, o novo mundo do trabalho gera novas relações também de título. Como se entender um arquiteto se seu trabalho é dissipado entre outras tarefas?


O mundo profissional costuma estudar os ícones por parâmetros diversos, crítica ao design, olhar estético, conceito, programa, paradigma. O buraco mais embaixo, porém, está na discrepância que há entre um CCTV (de Koolhaas) ter um custo de U$S 735 milhões de dólares em 2012, enquanto a massa trabalhadora enfrenta um mercado onde se encontram projetos prontos na internet por 30 reais. Esta é a realidade de imensa parte dos profissionais de arquitetura hoje (e não só de arquitetura), cujo sustento é totalmente inviabilizado por um processo material que não considera a profissão como algo de massa, como política de estado, mas apenas seu recorte de item de luxo.


Em épocas de pandemia e crise econômica, esta discrepância fica ainda mais acintosa e acirrada. Mesmo que o mercado se aqueça, possivelmente o capital já terá mudado a chave da precarização para outros pólos. A massa de profissionais tenderá a seguir aumentando à medida que novas universidades abrem cursos, e o sistema exclusivista chegará em um ponto de supersaturação.


Urge retomarmos o conceito de produção para todos. Ver a qualidade técnica e construtiva da caneta BIC ou de um copo Nadir Figueiredo, dois feitos do design e pensar, porque não podemos retomar este princípio em arquitetura? Não significa fazer arquiteturas de carimbo ou algo do tipo, mas sim tentar traçar um princípio: o trabalho que eu faço é embebido no desejo de exclusividade ou no interesse dos povos? Nisso os laureados Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal me parecem mais interessantes que Koolhaas, não tão onipresentes porém potentes. Não que eu considere louvar ícones algo interessante, apenas acho interessante tecer críticas e reflexões.


Imagem extraída de : https://klaustoon.files.wordpress.com/2014/07/clog-rem-its-not-easy-being-kool.jpg