Hoje comemoramos o dia internacional em memória das vítimas
do Holocausto. Manter a memória viva é importante e fundamental, em especial no
Brasil, onde vemos um advento de revisionismos históricos e falácias a respeito
do tema. Mas neste dia gostaria de lembrar da importância da história como
forma de estruturação do pensamento no mundo presente.
O atual sistema social, político e econômico em que vivemos
construiu novas formas de opressão humana associando os diversos elos que a
envolvem (étnico, cultural, entre outros). O que em parte representou o
território de Auschwitz
e outros campos de concentração? Faço aqui um dos recortes
dentro do todo que foi o horror deste sistema. Auschwitz e outros campos
similares se relacionavam e estruturavam territorialmente uma lógica de
produção econômica. Sob o discurso racista que embasou o Nazismo justificou-se
a criação destes territórios de segregação. Sob a disseminação da construção
simbólica racista e eugenia, algo que poderia ser exemplificado com frases atuais
como “o índio está evoluindo e tornando-se um ser humano igual a nós”, tais
espaços foram concebidos, garantiam mão de obra escrava e descartável ao
sistema que alimentavam.
Auschwitz graças a deus não existe mais, resta a memória e a
história que não deve ser desconstruída ou desacreditada, porém mil formas de
territorializar e oprimir o povo se mantém firme e em diálogo com os sistemas econômicos.
Campos de refugiados, Guantánamo, ou quaisquer presídios brasileiros que
acumulam pessoas sem sequer o primeiro julgamento, todos apontam como
arquiteturas destinadas a um nível extremo de opressão da humanidade. Se o campo de Auschwitz e similares serviram a
um sistema de desenvolvimento dentro de um projeto nacional racista, não
podemos negar o quanto de campos e disputas territoriais atuais podem servir ao
mesmo processo, porém dentro de uma conjuntura econômica diferente onde a
violência gera e retroalimenta inúmeros mercados.
As guerras (tanto entre nações como intra-territórios) seguem padrões semelhantes, criam a terra
arrasada e depois abrem o espaço para que o grande investimento entre nestas
terras, este é o espólio que se sobrepõe aos direitos dos povos de habitar,
pertencer, vivenciar e conceber seus lugares. A desterritorialização de povos
se tornaram parte de um braço rentável para o capital, seja por exemplo os
campos de refugiados de Gaza que hoje se transformaram em verdadeiras cidades,
ou os campos de refugiados sírios situados na Jordânia. Cada qual se adequa a
uma forma de exploração da opressão humana dos povos sem lugar que tiveram suas
vidas e histórias dilaceradas.
As últimas infames falas de nossos líderes de governo Bolsonaro e seu
secretário de cultura trouxe ao salão a necessidade de debatermos o Nazismo e Fascismo
de forma séria, e isso trouxe as redes novamente o filme arquitetura da
destruição. O centro do filme demonstra como o sistema capturou o simbólico e
reconstruiu a estética ao se impor na população. Esta construção de pensamento
se capilariza na sociedade e se torna parte do discurso cotidiano da mesma,
isso se potencializa em um país como Brasil, que não conseguiu por exemplo romper
suas ferramentas de segregação e seu racismo estrutural.
Assim que palavras como a de Bolsonaro, apontando claro
discurso de eugenia com relação a indígenas, ou de Alvim parafraseando Goebbels,
podem chocar a muitos de nós. Estas declarações, e mais, suas ações não
necessariamente afetam os mercados ou o cotidiano a ponto da queda completa do
sistema. Os índios que segundo Bolsonaro “não são gente evoluída” por sua vez
não serão tópico de “uma arte heroica” mereceriam o direito ao território que
tem ou este território poderia ser melhor utilizado com a exploração
sustentável dos ecoplans do BIG? Enquanto isso, Bjarke Ingels se justifica aos
brasileiros:
“Não podemos esperar que todas as instâncias públicas estejam alinhadas com
todos os aspectos de nosso pensamento, mas podemos garantir que possamos trazer
a mudança que queremos ver no mundo através do trabalho que realizamos“, afirma
Ingels na nota."
A nota de defesa de BIG não traz nenhum estranhamento a quem observa os
caminhos do mercado internacional da arquitetura de forma crítica. Seu projeto
para o Brasil por sua vez não se importa com o genocídio indígena ou as
queimadas na Amazônia. Assim, aponta um imenso anacronismo ao defender
intervenções ecologicamente sustentáveis junto a um governo que defende
abertamente o inverso. Obviamente muito mais suave que o nazismo não quero
fazer tal comparação com o BIG, porém sua defesa aponta para argumentos
semelhantes aos apresentados no tribunal de Nuremberg, com uma grande diferença:
BIG é um escritório liberal que pode dizer não ao Bolsonaro, diferente dos
soldados que apenas recebiam ordens.Remeter a memória das vítimas do Holocausto é se dedicar para que novas vítimas e novos Holocaustos não mais aconteçam.