27 de julho de 2021

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Breve Reflexão sobre Estética e o Desencontro entre Arquitetura e Sociedade

Um de meus primeiros contatos no campo de estudo da estética, ainda na faculdade de arquitetura, envolveu disciplinas de estudo da forma e expressão gráfica. Em minha formação por sua vez, tais estudos sempre se embasaram em uma visão de mundo greco-romana (uma das visões mães da Belas Artes).

Embora o modernismo, pensamento que estruturou boa parte do início de minha formação, tenha proposto uma ruptura às Belas Artes, sua base filosófica ainda pairava no mesmo ambiente de estudo da forma ideal pela forma real, proporções áureas, uma certa harmonia estética que era ascética e hermética pro todo da sociedade. Esta base seguiu escola a dentro pensando projetos de arquitetura onde a pessoa não estava em um plano claro, e a condição financeira também não. Enquanto isso, o mundo aqui fora, no lugar vivido seguia construindo, a seu modo, com seus referenciais e suas condições de possibilidades. Estudávamos lajes planas enquanto pro povo o luxo era um belo telhado colonial das mansões da Casa Cláudia.

Mas pra não fugir, o principal desencaixe estava lá na base de formação. Pensávamos a vida por um viés da transcendência onde primeiro vem o projeto, emergido pra ser semelhante ao mundo perfeito do campo das ideias. O projeto seguirá seu rumo até que seja dada a obra, sempre icônica pois não cabe a arquitetura ser um simulacro.

Mas a vida real não cabe nesse mundo, ela acontece o tempo inteiro processo atrás de processo. A arquitetura é um acontecimento do espaço, concebido e vivido, e aqui o sentido anterior se desencaixa. Quando retiramos a arquitetura desse campo transcendente e trazemos pra experiência viva, o que estamos propondo é a discussão sobre a estética. Assim, não há mais uma boa e má arquitetura em si mesma, mas caminhos distintos por onde pensamos modos de operar o espaço num dado recorte de tempo. A arquitetura segue o devir, o movimento permanente criativo e transformador.

Esta é uma diferença dinâmica importante quando queremos compreender como os profissionais de arquitetura adentrarão o universo da autoprodução do espaço construído. Precisaremos compreender que o importante na autoprodução não é tanto o fim da obra ou o resultado épico de um projeto, passa-se muito mais pela constante possibilidade de adequação ao momento, ao modo de vida. Um filho que nasce é um quarto que se sobe, um filho que casa é uma laje que vira um novo lar.  

É neste encaixe que o pensar ético e estético da arquitetura pode encontrar o caminho de construção mais democrático de toda a espacialidade. Nós, a humanidade já concebíamos nossa organização espacial antes dos traços gregos, antes da sistematização das sequencias de fibonacci e antes de Ihmotep. Ali no início da formação precisaremos redesenhar a visão de mundo, estarmos abertos a uma leitura transformadora da vida onde a contradição, o caminho de ida e vinda esteja a nossa frente. Precisamos estar sem apego ao caminho moral do saber, a busca da boa forma, do bom olhar, e nos permitir dialogar com os muito olhares que montam e moldam a realidade.  Precisamos aceitar que fibonacci é só uma redução limitada que nos ajuda a compreender a inúmera complexidade das formas da existência.

Se nossa categoria conseguiu sistematizar a troca de saberes que forma o campo técnico-científico através das universidades, nossa espécie organiza via uma longa rede de oralidade as trocas que atuam na autoprodução, daqueles que aprendem desde pequenos com pais, avôs, bisavôs que fizeram desde suas bibocas e palafitas até pontes, aterros, aberturas de túneis e palacetes.  

Vamos nos imbuindo da experiência, e soltando as amarras das buscas icônicas conseguiremos entender, ao explorar ao máximo a contradição e o diálogo entre o técnico científico e o saber do lugar conseguiremos melhorar amplamente a qualidade espacial do mundo em que vivemos. 

A crise do saber técnico da arquitetura diz muito mais sobre a necessidade de ruptura entre os atuais modos de fazer e compreender o que é arquitetura e necessidade de recomposição deste campo com os processos de existência e valores da sociedade atual.